quinta-feira, novembro 17, 2005

Histórias de Encantar

A Cigarra e a Formiga

A versão tradicional:
A formiga trabalha arduamente, debaixo de um calor arrasador, durante todo o Verão, construindo a sua casa e armazenando provisões e mantimentos para aguentar o Inverno.
A cigarra pensa que formiga é uma tola e ri, dança e brinca durante o Verão.
Chega o Inverno, e a formiga está confortável e bem alimentada.
A cigarra não tem comida nem abrigo e morre.
A versão portuguesa:
A formiga trabalha arduamente, debaixo de um calor arrasador, durante todo o Verão, construindo a sua casa e armazenando provisões e mantimentos para aguentar o Inverno.
A cigarra pensa que a formiga é uma tola e ri, dança e brinca durante o Verão.
Chega o Inverno, e a enregelada cigarra convoca uma conferência de imprensa para denunciar a situação em que vive, pretendendo saber por que razão é permitido à formiga estar bem aquecida e alimentada enquanto outros sofrem com frio e fome.
RTP, SIC e TVI apresentam-se em força para transmitir imagens da pobre cigarra, completamente transfigurada pelo frio e pela fome, ao mesmo tempo que passam outras imagens da formiga na sua casa bem confortável e com a mesa cheia de boa comida.
O país está chocado perante este contraste.
Como é possível, nos dias que correm, uma pobre cigarra sofrer tanto?
Durante dias não se fala de outra coisa.
O 1º Ministro, José Socrates, aparece num programa especial da RTP com um ar consternadíssimo, repetindo, vezes sem conta, que fará tudo o que está ao seu alcance para ajudar a pobre cigarra, a qual, como toda a gente deverá entender, está a ser vítima da má política dos anteriores governos.
O Padre Melícias tem-se desenvolvido em esforços para angariar toda a ajuda possível, implementando um peditório, a nível nacional, para que a cigarra possa viver com alguma dignidade.
Simultaneamente, a CGD abriu uma conta especial, onde qualquer pessoa pode efectuar um depósito, contribuindo, assim, para mais uma ajuda preciosa.
O secretário geral do PCP, numa entrevista com a Manuela Moura Guedes, comenta que a formiga enriqueceu à custa da cigarra, resultado de uma gestão danosa do Governo, que sempre prejudicou os mais necessitados, e apela ao 1º Ministro para que seja criado um aumento significativo do IRS, através de um escalão especial, para fazer com que a formiga pague o valor justo em relação àquilo que ganhou.
Num movimento sem precedentes, Paulo Portas e o irmão Miguel Portas aparecem juntos, abraçados à cigarra, em todas as feiras e mercados.
Finalmente, foi criada uma Secretaria de Estado, dependente do Ministério das Finanças, e desenvolvido um programa chamado "Igualdade Económica e Acções Anti-Formiga", com efeitos ao princípio do Verão, o que obrigava a formiga a pagar os novos impostos com retroactivos. Como a formiga não estava preparada para pagar, a sua casa foi confiscada pelo Governo.
A firma de advogados do Vale e Azevedo, representando a cigarra, apresentou em tribunal um processo contra a formiga, por abuso e fuga aos impostos, tendo a formiga perdido a causa, sem qualquer hipótese de recurso.
A formiga desaparece e ninguém mais lhe põe a vista emcima.
Em todos os canais da televisão, o Presidente da República Jorge Sampaio, com o seu entusiasmo habitual, anuncia que foi feita justiça e que uma nova era de integridade e equidade nasceu em Portugal.
A Lili Caneças, querendo tirar mais umas fotografias, organizou uma grande festa de beneficência, onde estiveram presentes todos os nomes conhecidos da política, artes, moda, teatro, cinema, música, desporto, etc.
Com o dinheiro que ganhou de todos estes movimentos nacionais de solidariedade, bem como da venda de grande parte da comida da formiga, a cigarra vive dias com que nunca sonhou. Grandes festas, jantaradas, casinos, jogo, mais festas e mais jantaradas, oportunistas, más companhias, e o dinheiro desaparece depressa.
Entretanto, é noticiado em diversos órgãos da comunicação social internacional, o retundante sucesso da formiga portuguesa num país desenvolvido, com reconhecimento, por parte desse país, pelos bons serviços e enormes mais-valias acrescentadas ao sector industrial e comercial.
A história acaba com as imagens da cigarra a comer o último bocadinho de comida que a formiga tinha armazenado, dentro da casa que agora pertence ao Governo, mas que, por falta de verba para proceder à sua manutenção, encontra-se completamente degradada.
A cigarra, entretanto, foi encontrada morta num beco, resultado de um incidente relacionado com drogas, e a casa, agora abandonada, é utilizada por um bando de delinquentes que vive aterrorizando o que, em tempos, era uma pacífica vizinhança.