«Repudio a violência gratuita, embora a visita do SLB ao Dragão toda ela me parecesse um acto de encenação próprio de uma tragédia grega. Os Ulisses vinham no seu cavalo de Tróia, de nome Vermelhão, sujeitos a mil perigos que ultrapassaram com valentia e actos de bravura, sempre com novos episódios que a história não se cansará de recriar. Depois, como desforra das maldades praticadas, pregavam-nos uma valente sova no campo de batalha, enxovalhavam o inimigo usurpador e tinham o direito aos despojos que a CS saberia extrair da forma mais sábia. Correu tudo como previsto, excepto que, não perdendo a guerra, perderam a batalha mais apetecida.»
(in Reflexão Portista)
Tanto este como o post onde faz a análise da época do FC Porto estão excelentes. Não deixem de passar por lá para os ler. E aproveitem e leiam também outros.
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Que mil Bragas floresçam
O modelo centralizador, depurado durante o regime autoritário, trazia consigo uma lógica de pensamento único que ia da política a vários outros domínios. A democracia trouxe pluralidade de opiniões políticas e liberdade para as expressar, mas pouco alterou tudo o resto. O resultado é um país politicamente plural, profundamente desigual em termos socioeconómicos e muito homogéneo em quase todas as outras dimensões. Frustrada com essa não evolução, a Esquerda radical cai, recorrentemente, na armadilha autoritária, tentando impor administrativamente o que de outro modo não ocorreria. Mesmo com essas tentativas, há um enorme denominador comum na nossa maneira de ser e pensar, o que tem sido amplamente explorado pelos anti-regionalistas. Pensamos igual, logo somos iguais, logo podemos ser regidos por um centro único. Na verdade, Portugal é um verdadeiro deserto, com um ou outro oásis, apenas tolerados até ao ponto em que ainda possam ser controlados centralmente. E assim vamos penando.
A fé clubista é um domínio em que aquela homogeneidade de pensamento, típica de um país centralista, tem uma expressão marcante. Em nenhum país da Europa há um clube que congregue uma adesão tão grande como acontece com o Benfica em Portugal. Admitir-se-ia que, com a hegemonia que o Porto tem demonstrado nos últimos 30 anos, a vontade de estar com os vencedores tivesse alterado essa adesão. Tendo, inicialmente, baseado a sua afirmação na construção de um poder alternativo a Lisboa, os dirigentes portistas não terão sabido evoluir para uma lógica mais autónoma e menos defensiva.
No fundo, esta dicotomia acabou por servir, perfeitamente, aos centralistas que tiveram de se concentrar apenas no desacreditar de um adversário. A inércia de um povo habituado a viver das glórias do passado fez o resto: nada apaga a fé benfiquista. Que se mantém como norma. Só isso justifica que canais abertos e por cabo transmitam, todos, a festa benfiquista. É suposto todos sermos benfiquistas. Quem não é, não é bom chefe de família.
O aparecimento de outsiders nesse duelo Porto-Lisboa assume, por isso, particular importância. Foi assim, há muitos anos, com o Vitória de Setúbal e tem sido, de uma forma mais consistente, com o Guimarães que, desse modo, sedimentou o sentido de identidade numa massa associativa dedicada e fiel. Tem sido assim, desde a chegada de António Salvador à presidência, com o Braga, culminando na extraordinária campanha que este ano quase o levava ao título. Uma cidade tradicionalmente benfiquista despontou para uma outra forma de estar e sentir.
Com uma situação económica que nos faz recuar ao passado, quase apetece dizer que é adequado o Benfica ser campeão. O emergir de um novo pólo em Braga é um sinal importante. Se a coisa não vai lá pela via política, talvez o futebol possa dar uma ajuda na construção da consciência da necessidade de rompermos com o centralismo e o pensamento único. Que mil Bragas floresçam por esse país fora!
Alberto Castro no JN
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